quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Nas noites escuras...

E tudo começa em mim atravez da história de Moisés...
Em Exôdo capitulo 3, onde Moisés está pastoreando as ovelhas de seu sogro Jetro e decide apascentá-las no outro lado do deserto... E de deserto eu entendo muito bem....
O que sei a respeito do deserto é que nele existe um extremo; durante o dia um calor insuportavel e a noite um frio congelante. Mas naquele momento, imagino eu, que Moisés passa por esse deserto... refletindo-me nessa passagem, por várias vezes me encontrei em momentos de tristeza, de sequidão, de angustia... colhia as pragas que eu mesmo havia semeado. E sempre insistia no erro. Por outro lado o deserto pode representar fulga, e esse foi sempre um meio que eu encontrei para fugir do mundo quando eu mesmo ja não me suportava. E ainda, atraves desse mesmo deserto que representa a sede, o extremo e a solidão... as vezes, o próprio Deus nos permite passar por aquilo para forjar nosso caráter.
Muita coisa tem sido dita sobre deserto espiritual no nosso meio, mesmo assim fica a dúvida sobre o lugar dessa experiência na vida cristã. O deserto é uma exceção na vida com Deus ou algo que todos teremos de passar? Eu passei! Antes de responder esta pergunta, quero olhar o deserto na Bíblia: não foram poucos os personagens bíblicos que passaram pela experiência de Deus no deserto, muitos homens e mulheres, como eu e você, viveram a terrível sensação de ausência ou do silêncio de Deus: Elias viveu a amargura do medo e da frustração no deserto; Moisés passou 40 anos acreditando que nada mais iria acontecer na sua trajetória como libertador; viveu na carne a experiência de se sentir abandonado por Deus; e Jesus, do alto da cruz, deu um brado: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Além desses relatos, na nossa própria caminhada cristã, passamos, muitas vezes, por essa sensação de abandono, perdemos o sabor da vida, o que nos alegrava passa a não alegrar mais, a música, o sermão, a leitura da palavra e a oração, tudo parece sem sentido e estafante. Esses sintomas podem surgir em vários momentos da nossa vida, talvez por causa do cansaço físico e mental, uma doença, o fim de um relacionamento amoroso, estress e tantos outros motivos. Mas o deserto espiritual tem algumas particularidades.

Na solidão do deserto o nosso coração de pedra se transforma em carne, o coração fechado se abre a todos os sofredores num gesto de amor e solidariedade . Mas, olhando, hoje, os inúmeros acontecimentos que me atingiram no deserto, senti-me compelido a fugir dele. Eu vivia como se nenhum mal fosse me atingir, e incorporava palavras de ordem, que dizem: “sou filho do Rei”, “ora que melhora”, e falava com a força dos meus pulmões: “tudo posso naquele que me fortalece”. Nada disso é mentira, no entanto, quando eu me via em apuros, essas frases passaram a não fazer mais sentido e algumas coisas aconteceram: ou eu me sentia abandonado por Deus ou pensava que os meus pecados me afastaram dele. Haha... Isso me faz lembrar de Jó: não foi o seu pecado o responsável pelo seu sofrimento. Mas parece que a experiência do patriarca nos traz ainda mais angústias: não nos sentimos à altura dele e por isso achamos que todo o nosso sofrimento é resultado dos nossos pecados. Eu sempre me perguntava: onde eu errei? O que eu fiz para merecer tamanho castigo? Sentimo-me abandonado. Achava que me perdi de Deus e que já não era mais objeto do seu amor.

Queremos viver somente alegrias, eu era assim, mas não podemos evitar, quando menos esperamos experimentamos uma aridez espiritual e concluímos que o que está nos acontecendo é o que muitos chamam de deserto. Os pais do deserto, os ilustres personagens biblicos, pelo menos, fizeram esta escolha livremente, mas a nós, a mim e a vocçê parece que essa opção não é dada. Para os contemplativos, no entanto, a experiência do deserto deve ser recebida com agrado, do mesmo modo que uma pessoa enferma receberia com bons olhos a noticia de uma cirurgia que promete saúde e bem-estar . Isso não que dizer que nós cristãos devamos ser alguém que sai pelo mundo em busca do desprazer e de desgraças, não é sobre isso que estou falando. O que quero dizer é que na caminhada com Deus vamos experimentar sensações de abandono, dores e fracassos, e isso não tem nada a ver com os nossos pecados. Não foi assim com Ana, Jó, Paulo e tantos outros? Mas, como conciliar o deserto com um conceito de espiritualidade que não tem lugar para dor e o sofrimento? Como conciliar a imagem de uma vida próspera e abençoada com a experiência do silêncio de Deus?

Na minha vida, digamos assim, o deserto tem encontrado seu lugar e sua funcionalidade. Li uns artigos que os primeiros séculos da Era Cristã, muitos homens e mulheres foram literalmente para o deserto em busca de um encontro com Deus através da solidão, do silêncio e da oração.

Antão, Agatão, Macário, Poemem, Teodora, Sara e Sinclética foram líderes espirituais no deserto. “Sem esse deserto, perdemos nossa alma enquanto pregamos o evangelho”. Todos os contemplativos viveram a realidade do Deus Absconditus*, mas foi João da Cruz, monge carmelita do século XVI, quem desenvolveu uma tradição contemplativa sobre a noite escura da alma, ou noite dos sentidos. Quando vires teus desejos apagados, tuas afeições na aridez e angústias, e tuas faculdades incapazes de qualquer exercício interior, não sofras por isso; considera-te feliz por estares assim. É Deus que te vai livrando de ti mesmo, e tirando-te das mãos todas as coisas que possuis.


Na noite dos sentidos, somos convidados a sermos todos de Deus. Nesta vida, o homem não se une a Deus por meio daquilo que entende, goza ou imagina, nem por alguma coisa que os sentidos ofereçam; mas unicamente pela fé.... Somos chamados a experimentar o silêncio de amor, a nos calarmos diante do inefável, e a pormos a atenção amorosamente em Deus, sem ambição de querer sentir ou entender coisa alguma particular a seu respeito. Na noite escura dos sentidos, onde os sonhos são acorrentados em nossos próprios desejos, somos convidados à comunhão da dor de Cristo. De acordo com o teólogo alemão Jürgen Moltmann, no centro da fé cristã está a história da Paixão de Cristo. No centro dessa paixão está a experiência de Cristo abandonado por Deus. Pare ele, ou isso representa a ruína da fé humana no criador, ou o surgimento de uma Fé em Deus que não é possível de ser destruída por nada. Não mais uma fé que dependa de resultados, de sentir calafrios, que dependa da emoção, não mais uma fé que precisa de formulações inquestionáveis, mas uma fé descansada, porque o amor não cansa e nem se cansa. Uma fé que se abandona nas mãos de Deus e se deixa levar por ele. A experiência de Deus no deserto é a experiência do despojamento que nos leva a amar a Deus sobre todas as coisas, mesmo diante da dor e do sofrimento. Por que Deus permite o sofrimento não sabemos, mas, para Multmann, mesmo que soubéssemos isso não nos ajudaria a viver. Se descobrirmos, no entanto, onde está Deus e experimentarmos sua presença no nosso sofrer, encontrar-nos-emos (hummm escrevi bonito agora rs) na fonte de onde brota a vida novamente.

O meu sofrimento e a minha dor não devem ser entendida, neste sentido, como resultado do meu afastamento de Deus, muito pelo contrário, posso me sentir amado mesmo diante da dor e da aflição. Mas é muito difícil perceber o amor de Deus diante do sofrimento e da aridez espiritual, e como! Porque estamos comprometidos com uma falsa ilusão do que seja esse amor por nós. Coisificamos o nosso amor por Deus, só nos sentimos amados quando a nossa vontade é satisfeita. Se as nossas orações não são respondidas, pensamos que Deus não nos ama. Se não nos emocionamos no culto é porque falta unção, dependemos dos resultados para experimentamos Deus. Nesse deserto, estou privado de tudo, dos resultados e da emoção, só restam-me algumas dúvidas, e é aí, que o conceito de Hebreus, começa a fazer sentido em mim, a Fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem - Hebreus 11:1 (Pastor Jeder sempre declamava essa passagem pra mim... saudades dele agora) . Na noite escura, ficamos livres da nossa excessiva dependência de resultados interiores e exteriores, lá nada acontece, só Deus basta. Nas noites escuras do meu quarto, tenho aprendido a amar a Deus por ele mesmo, não por aquilo que ele pode fazer ou deixar de fazer por mim... Lá, nada faz sentido, e é no sem sentido que me encontro com a verdadeira paz. Profunda é a luta na noite contemplativa, mas é igualmente muito profunda a paz que eu espero. E, se a dor espiritual é intima e penetrante, o amor que se há de alcançar é também íntimo e puro.

Nesta noite escura, venho me despojando de uma falsa imagem de Deus, o Deus que era o meu provedor, e agora passa ser, também, o meu consolador, o Deus que servia apenas de alívio para as minhas neuroses do cotidiano, passa ser o meu companheiro de amor. Na noite escura, nessa noite escura, tudo muda. Aqui, neste momento, sinto um verdadeiro encontro de amor, onde nada mais é importante. Se for abandonado, amarei assim mesmo, se minhas orações não são respondidas, não deixarei de amar por causa disso. Nesta noite dos sentidos, de sonhos aparentemente frustrados, mesmo sem sentir, sou transformado. O progresso da minha pessoa é maior porque caminho às escuras e sem saber. Aprendemos a amar a Deus como ele deseja ser amado. É amar sem querer possuir o objeto do nosso amor, é amar sem reduzir a Deus a uma idéia ou a uma lâmpada de Aladim. É amar uma pessoa, que misteriosamente é três.

O deserto é uma exceção na vida com Deus ou algo que todos teremos de passar? Penso em respondê-la da seguinte maneira: talvez, nem todos os cristãos passem pelo deserto, mas todos aqueles que passarem irão experimentar a purificação dos sentidos. Para que eu pudesse crescer na contemplação até chegar á união com Deus, fiquei de lado, meus sonhos, planos e desejos em silêncio, todos os meios e exercícios sensíveis das minhas faculdades humana. Só assim pode o Senhor infundir nelas o sobrenatural, pois a capacidade natural não consegue chegar tão alto. Aqui entendo, sinto que só podemos encontrar Deus no silêncio, na solidão e na oração. O nosso objeto de desejo é livre para ir e vir, quando desejar. Não ficamos tão dependentes de sentir a sua presença. Já sabemos onde ele está.

E ele sempre está... sempre!

0 comentários:

Postar um comentário

 


Revolução 23 © 2008. Design by: Pocket