quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Prólogo

“Um casal que sonhava em ter uma filha...
Por muito tempo ela tentou engravidar, mas não conseguia. Depois de quatro anos de casamento, e muitas tentativas, Iracema conseguiu o tão sonhado desejo; engravidou. Mas para surpresa desse casal, não era uma menina. – “Tudo bem, o amaremos com todas as nossas forças!” – disseram eles. Mas o desejo ainda existia, e assim foram tentando, até que a sonhada filha foi gerada em seu ventre. Os nove meses de espera pareciam uma eternidade diante da tão sonhada princesa. Mas como toda dor que decide aparecer sem pedir licença, a dor da perda sobreveio sobre eles, e com apenas quarenta dias de vida, Vivian, a princesinha da família veio a falecer. A dor era insuportável, ruía-os ate os ossos. Mas o desejo não fora arrancado dos seus corações esperançosos e permaneceram na tentativa.
Assim como as coisas que são difíceis de explicar, sua fertilidade vinha a cada dois anos e, quatro anos depois de seu primeiro filho, Sandro, o casal teve, então, o segundo homem da família Machado; José Eduardo. Agora parecia que a família estava completa, com o passar dos anos o desejo foi sendo suprido pelo dia a dia e as dores sanadas a cada amanhecer...
- Zé você não vai acreditar! – Disse ela com as mãos tremulas.
- O que foi? Aconteceu alguma coisa? – Ele nunca a vira naquele estado. Ela ficou ali parada em silencio, diante dele, os olhos fixos sem saber o que dizer.
- Zé depois de seis anos de espera, ela chegou Zé, ela chegou! – Ele insistia em não entender – Eu estou grávida Zé! – Ele permanecia imóvel. – Eu estava na dúvida, mas decidi fazer um exame de sangue e deu positivo, ainda continuei sem acreditar... venho insistindo comigo mesma, mas agora eu sei que estou e, sabe de uma coisa? É uma menina Zé, é uma menina!
Ele ficou parado, por um momento não se sabia se sua reação era boa ou ruim. Seus olhos estavam vidrados, distante de qualquer ação esperada de um sonhador que acaba de se realizar.
- E porque você não me contou antes? Desde quando você sabe que está... grávida?
- Na verdade já estou de 4 meses, eu não te contei pois temia decepcioná-lo. Mas agora é certeza Zé, ela chegou!
Os céus pareciam se abrir diante deles, e a divindade derramada sobre suas vidas. A cada dia que passava a barriga de Iracema crescia e o seu desejo em ter a sonhada princesa em seus braços era cada vez mais almejado por ela. José, o pai, parecia uma criança quando ganha um brinquedo novo. Sua alegria era contagiante. Dessa vez tudo daria certo...
Ouvir os primeiros berros, fez com que os olhos do pai, o mais novo paizão, brilhassem de alegria. E ali estava ela, frágil como o cristal, linda como um amanhecer ensolarado.
- Como ela vai se chamar Zé?
- Letícia, aquela que trás alegria.
Letícia era encantadora, tinha os olhos azuis, como um céu ensolarado sem nuvens, seu sorriso tinha uma alegria contagiante. Todos que a viam se surpreendia com a simpatia e alegria da pequena Letícia, aquela que trás alegria...
- Manhêêê corra aqui! A Lê vomitou! Corra mãe! – disse o pequeno Eduardo, que agora já tinha seus cinco anos de idade.
Essa foi uma cena que perdurou no coração de Iracema. A pequena Letícia estava ali, prostrada no chão, sua pele parecia tão alvas como a neve, seus belos olhos azuis estavam negros, consumidos pela pupila que dilatara e escondia o azul de seus olhos.
- O que houve minha filha? – O coração de Iracema disparava em batidas fulminantes em seu peito. O susto fora grande.
A menina não tinha forças nem para responder ao som da voz de sua mãe. Mais que depressa Iracema carregou Letícia em seus braços e foram para o pronto socorro.
Após uma longa avaliação, Dr. Valdemar, amigo de trabalho de Iracema e também um velho amigo da família constatou que aquilo tinha sido apenas uma virose causado por algum alimento estragado. A menina fora hidratada e passava bem, logo estava brincando, sorrindo como a boa e alegre Letícia de sempre.
A partir dessa data, a família Machado teve um período de acontecimentos inexplicáveis. O cachorro da família fica louco e bate sua própria cabeça num tronco de arvore ate morrer. Trabalhos de macumba são constantemente encontrados no terreno de sua humilde chacrinha. E a saúde de Letícia nunca mais foi a mesma.
Alguns meses depois, Iracema chega em casa aos prantos. As crianças ficam assustadas, Sandro que agora tinha quinze anos corre ate a vizinha para pedir ajuda.
- Meu Deus do céu Cema! O que aconteceu? – Pergunta Marina, vizinha e comadre.
- Grávida, eu estou grávida de novo comadre!
Apesar da surpresa, Marina foi tomada por um alívio que percorria todo seu corpo duro de tensão.
- Minha amiga, mas isso é motivo de alegria, uma criança é sempre alegria pra dentro de casa.
- Você sabe que eu e o Zé não estamos bem, nossa vida ta um caos. A Letícia vive doente, eu trabalho feito uma louca, o Zé também. Nunca vemos a cor do dinheiro... Como poderemos ter mais um filho?!
Iracema não conseguiu conter as lágrimas, Marina passou horas conversando com sua comadre, consolando-a na tentativa frustrada de animá-la.
- O que aconteceu Cema? Você está com uma cara péssima, andou chorando? – Disse José assustado ao entrar em casa no comecinho da noite e ver que as luzes da casa estavam apagadas, as crianças largadas em frente a televisão ainda sem banho, nem jantar. – Tudo bem Marina? Aconteceu algo?
- Tudo bem compadre. Creio que você e a Cema precisam conversar... não se preocupe, eu vou legar as crianças comigo, elas jantam la em casa.
- Obrigado comadre, mas não precisa, eu tenho que dar banho na Lê, ela tava com febre... Vou ver como ela está. – Disse Iracema na intenção de se esquivar das indagações de seu marido.
Jose continuou ali parado, confuso. Marina rapidamente se despediu de sua comadre com um forte abraço e saiu. Jose, como todas as noites, deitou-se no sofá assistindo ao Jornal.
Depois que todos jantaram, as crianças já limpas e prontas pra dormir Iracema foi ate la fora, ascendeu um cigarro, como fazia todas as noites depois do jantar, e ficou ali por alguns instantes.
- Quer conversar agora? – Sem que Iracema percebesse Jose colocara uma cadeira ao seu lado e estava ali, parado, esperando uma resposta dela.
- Estou grávida de cinco semanas! – Disse ela num tom seco sem nem ao menos olhar pra Jose.
O Silencia foi perturbador para ambos, mas nenhum deles tomara a decisão de dizer algo.
- Você sabe que será muito difícil. – Disse ele.
- O que você quer dizer com isso? Quer que eu aborte?!
- Não! Disse que será difícil!
- Ah, e isso é tudo o que você tem pra me dizer?! – Disse Iracema num tom frenético, parecia que iria explodir.
- E você quer que eu fale o que? Parabéns? – Seu tom de voz saia por entre os dentes, seus olhos negros fuzilavam os olhos azuis de Iracema. – Toda a vida você se preveniu, sempre disse que não queria mais filhos, agora diz que eu tenho que dizer algo? Você quer que eu te diga pra fazer um aborto, é isso?
Num salto de raiva Iracema se colocou bem a frente de seu marido. Ela parecia uma leoa raivosa defendendo suas crias. E com as mãos bem abertas deu um tapa na cara de Jose que ecoou na área da casa. Antes mesmo que seus sentidos pudessem esperar uma reação alheia, Jose se levantou em resmungos de raiva, mais que depressa entrou e saiu com as chaves do carro na mão. Iracema, agora sob seu alto-controle se atirou na frente do carro. Os seu gritos de “Não faça isso!” acordou o filho mais velho que aos berros chamava pelo pai. Mas não adiantou, numa arrancada abrupta Jose saiu com seu carro deixando sua esposa e filho ali, parados.

Era por volta das nove horas da noite quando as contrações se tornaram mais insuportáveis.
- Sandro, corra chamar o pai, a mamãe não ta bem. – Iracema sempre se empunhava da obrigação de ser forte, a “muralha inabalável” da família.
Sandro, correu, subiu duas ruas, havia um trecho escuro que lhe dava cala frio, mas sabia que sua missão custaria o bem estar de sua mãe e o nascimento de seu irmãozinho. Na tentativa de se distrair ele procurou pensar em como seu mais novo irmão seria, conseguiu imaginar os bracinhos, a carinha de joelho e o choro mirrado durante as noites. De repente foi consumido por um sentimento de posse, uma vez que seu quarto estaria ameaçado com a chegada do novo membro da família. E quando se notou, estava em frente ao Bar do Cido.
- Pai, a mãe está passando mal, corre la em casa. – disse ele com uma voz calminha, digna de uma criança despreocupada dos problemas que só adultos têm.
- A mãe ta sozinha em casa San?
- Ta com o Du.
- Espere, o pai ta indo.
Iracema já estava pronta, a mala azul de bolinhas brancas que fora um presente de sua primeira gestação estava sobre seus braços. Ela respirava calmamente, mas sua expressão era de total abandono.
Trinta de novembro de mil novecentos e oitenta e seis, vinte e três horas e quarenta e quatro minutos, o som do choro mirrado quebra o silencio dos corredores.
- Parabéns mamãe! Como ele vai se chamar?
- Carlos Alberto Machado, doutor...”

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